Cos'è?



lunedì 14 ottobre 2013

Escritor ateu redefine a morte em releitura da Bíblia

Por meio do anjo Uriel, autor questiona "justiça" divina sobre quem vive e morre


As injustiças mundanas, aquelas que terminam em morte, como o assassinato de um inocente, a fome de uma pessoa ou a doença de uma criança são questionadas no livro A terra por onde caminho (Editora Schoba) de Mário Bentes. Afinal, quem é a morte e como ela escolhe a quem levar? Existem parâmetros para continuar vivo?

A obra é composta por 40 contos e quase todos são baseados em relatos bíblicos. Bentes, que já foi cristão e hoje é ateu, mescla o antagonismo destas duas orientações para mostrar em suas histórias que se há forças opostas na morte, seja ela violenta ou branda, em velhos ou em jovens, ela não é boa nem má, mas somente um fato que deve acontecer. Apesar desse fator natural, o ceticismo do autor é reforçado por meio de um personagem religioso, Uriel, o anjo da morte.

É Uriel o narrador de cada uma das histórias fúnebres. Ele, que possui olhos vazios e asas negras, canta para aqueles de bom coração, o que abranda a passagem destas pessoas para o mundo dos mortos, ainda que seus corpos sofram. Já os perversos se assustam com sua presença ao se depararem com o abismo de seus olhos. No entanto, o anjo da morte não é o culpado por nenhum falecimento: ele somente obedece a Deus, o Único acima.

Mas era chegada a hora de meu Pai acabar com aquilo e meu coração, reconheço, ardia em brasas pelo desejo de levar aquele Baal em forma humana.
E foi quando uma folha seca de um carvalho caiu suavemente sobre uma poça de sangue inocente que encharcava o solo virgem, que ouvi o chamado familiar, a voz do infinito rasgando a imensidão do espaço-profundo das estrelas mais distantes e mais acima da Terra, ordenando-me ser o elo entre a vida e a morte. Como sou e sempre serei. (Trecho do livro)

Eis a nova perspectiva pela qual Bentes retoma o tema da morte, tão debatido por outros autores. Ele coloca em cheque a imensa bondade e compaixão que a religião reforça em caracterizar a Deus: onde está Sua misericórdia ao deixar que um urso devore crianças? Como permitir com que haja assassinos (obrigando Uriel a cantar o seu lamento)? Onde está o seu amor ao permitir com que uma mãe chore por cima do corpo sem vida do filho? Mas como explica Uriel, em um relato simplista, o qual, ao mesmo tempo em que conforta muitos cristãos, também reforça o lado misterioso da morte:

(...) seus desígnios [de Deus] pelo homem são desconhecidos, e cujo significado jamais será compreendido nem por toda a sabedoria humana, nem por suas ciências ocultas, nem por magia ou feitiçaria.

A terra por onde caminho é o livro de estreia de Mário Bentes, que já participou de antologias pela Editora Andross.

Confira a entrevista feita com o autor:

1-No livro, Uriel, o anjo da morte, é o narrador de cada uma das histórias. De onde surgiu a ideia de dar voz à morte, de personifica-la?

Vem de muito tempo. Desde a infância, para ser mais específico. Na verdade, sempre imaginei uma figura fúnebre e imortal, que testemunhava os acontecimentos mais bizarros da história humana. É provável que tenha começado – ou sido influenciado – por “Eu nasci há dez mil anos atrás”, de Raul Seixas. A letra dessa música é forte, e sempre ouvi interpretações variadas dela, como se quem testemunhasse tudo aquilo fosse ninguém menos que o diabo. Resolvi, por fim, colocar no papel o personagem que passou boa parte da minha vida sussurrando na minha cabeça, mas finalmente dando um nome a ele – e a uma pequena saga.

2-A obra tem forte referência bíblica ao retomar histórias do Velho Testamento. Você, como ateu, de que forma conseguiu inserir esta não-crença nos relatos?

Não foi difícil porque nada do que vi nas três vezes em que li a Bíblia, em toda a minha vida, se perdeu. Independente de crer ou não naqueles acontecimentos, são relatos curiosos, com ares mitológicos. E toda mitologia tem aspectos fantásticos. A literatura fantástica tem os dois pés na mitologia. Desconheço quem não goste de ler sobre mitologia grega, por exemplo. Você não acredita em Zeus ou nas farras de Baco, mas acha relatos interessantes e estimulantes. O mesmo acontece comigo com a Bíblia.

3-Uriel, o anjo da morte, é melancólico e romântico, o que mostra que o ato de morrer, ainda que de forma violenta, pode ser abrandado com sua presença. A morte pode ser bela como a vida?

A morte é tabu para muitos, mas há muitas formas de enxergá-la: uma passagem para outro plano, uma parada antes de voltar à Terra novamente, o fim... ou recomeço. Depende das crenças e da falta delas. Até pelo aspecto científico, pragmático, a morte pode ter um aspecto belo. Se partirmos, por exemplo, do princípio da conservação da matéria de Lavoisier, podemos chegar à conclusão de que a morte do corpo não é o fim pelo simples fato de que a matéria que compôs você não deixa de existir. Ela simplesmente não se perde, mas se transforma. Então você, como ser pensante, pode até deixar de existir. Mas aquilo que foi você, fisicamente, voltará para, literalmente, ao “pó da terra”. Há muita beleza entre ser feito de poeira de estrelas e descansar no pó da terra.

4 -No prefácio, você comenta um pouco sobre o contexto em que vivia (como o curso universitário em Jornalismo, a mudança de residência de Manaus para Brasília, etc) quando teve a ideia de escrever “A terra por onde caminho”. Você acredita que isto pode trazer algum tipo de identificação com o leitor ao trazer tantos detalhes de sua vida? De que forma?

Quando criança, imaginava os escritores como seres de outro mundo, iluminados e especiais, que criaram suas histórias com os pés fora da realidade. No entanto, descobri, com o tempo, que escrever é passar para o papel aquilo que você é ou parte daquilo que você viu, ouviu e se influenciou. E que todo escritor é um ser humano como eu e você. Saramago dizia que todos somos escritores, só que alguns escrevem e outros não. Então eu, como pessoa comum, resolvi escrever tudo aquilo que imaginava enquanto vivia o cotidianismo das pessoas comuns.

Não relatei aqueles detalhes da minha vida na apresentação com uma finalidade especial, mas apenas dar um contexto da minha vida pessoal pelo qual passou o livro. Se o leitor vai se identificar com isso, fico feliz. Eu mesmo gostei de me identificar com o contexto em que [Gabriel] García Márquez escrevia “Cem anos de solidão”, enquanto ele lidava com as contas que se acumulavam. E também gosto da simplicidade espontânea de Neil Gaiman, como quando, nos agradecimentos de “O oceano no fim do caminho”, começou com algo como “O livro já acabou. De agora em diante, só vou agradecer a algumas pessoas. Você não precisa ler se não quiser”. É importante deixar claro que autores de realismo mágico e literatura fantástica estão, como qualquer um, com os dois pezinhos plantados no chão.




mercoledì 27 marzo 2013

Outros tempos, mesmo circo


Na semana do circo, o gigantesco baú de sua história foi aberto e remexido (na vida, sempre há aqueles momentos em que caixas velhas, antigos baús e gavetas emperradas são revirados). Dentro dele, além de figurinos de grandes artistas, de trapos de lonas e de um coelho que fugiu da cartola de algum mágico, também foi achado um dos primeiros filmes sobre o tema: “O Circo”, de Charles Chaplin (1889-1977), o Carlitos.

Lançado em 1928, época em que o cinema era mudo, em que a Europa ainda se recuperava dos estragos da Primeira Guerra (1914-1918) e em que os Estados Unidos (e muitos países) estavam prestes a viver o período da Grande Depressão (com início em 1929), Chaplin, que por meio de seu personagem, o vagabundo, sempre achava um jeito de rir de seu tempo, também satirizou o mundo circense.

A trama dessa obra se inicia com a melancolia típica de seus filmes, que depois, passa a se dissolver no enredo humorístico: Merna, a enteada do dono de um circo e responsável pelas apresentações com cavalos, encontra-se triste e solitária a balançar-se em um dos equipamentos no alto da lona. A música que a embala, “Swing Little Girl”, composta pelo próprio Chaplin, ilustra a atmosfera hipocôndrica que muitos dos artistas de circo vivem, surgidas a partir de dificuldades a serem superadas no meio.

“Balance, garotinha,/ Balance, alto, para o céu,/ E nunca olhe para o chão/ Se você procura o arco-íris,/ Olhe para cima, para o céu/ Você nunca achará arco-íris,/ Se você estiver olhando para baixo/ A vida talvez seja monótona,/ Mas nunca é igual/ Um dia, é de sol,/ Outro dia, é de chuva”, diz o diretor, ator e compositor.

O circo de Merna passa por maus bocados: a moça erra sempre os passes de seu número, os palhaços não são mais engraçados e o público vaia as más atuações. O autoritário padrasto da artista cobra dela e dos demais os bons resultados: mas Merna é sempre a que mais sofre, por apanhar do dono do circo e por não ganhar, muitas vezes, comida como punição.

É neste cenário que surge o vagabundo: ao ser envolvido em um furto de uma carteira, no meio da fuga atrapalhada com a polícia e com o verdadeiro ladrão, Carlitos acaba por invadir o picadeiro do circo em pleno espetáculo; eis que seu jeito cômico traz de volta as gargalhadas do público, o qual acredita que aquela cena entre o policial e o vagabundo, seja parte da apresentação. E quando o inconfundível homenzinho de cartola e bengala consegue se livrar do policial e sair do picadeiro, a plateia chama por ele: “queremos o homem engraçado!”.

Com a naturalidade e a inocência de um bom palhaço, Chaplin supera em graça, a trupe de palhaços do circo (que até aí, só oferecia à plateia números desgastados e repetitivos). Ele é a inovação; ele é a luz das estrelas de um circo, ao atrair e divertir um público também sofrido com as mazelas socioeconômicas daquele período, sendo somente um personagem: ele mesmo.

As cadeiras do circo voltam a encher, as gargalhadas são gerais e constantes e a estrela, que até então, não sabia que era uma estrela, se aproxima cada vez mais da tristonha Merna. Esta, que um dia, se apaixona por um belo equilibrista, parte o coração do vagabundo, que ao continuar a ser ele mesmo, não pode mais ser cômico, por estar triste. Um novo período de declínio começa no circo.

São nesses altos e baixos que o diretor mostra os bastidores a que artistas e demais funcionários circenses estão submetidos em muitos casos: os problemas financeiros, a manutenção do circo (como limpeza do local e trato com animais), a falta de incentivos para a renovação dos números, os dramas pessoais. A ironia de Chaplin é profunda ao tocar na ferida da alegria: a lona de um circo abrange muito mais do que risos e luzes: são pequenos universos pertencentes a grandes seres humanos, os artistas.

Ao final, quando tudo parece estar resolvido, o circo parte e leva consigo todo este mundo de risos e soluços para algum novo lugar. A marca de sua lona permanece no chão e com ela, o vagabundo segue o seu caminho com seus passos desajeitados.

lunedì 5 novembre 2012

Estórias de perna curta e de uma perna só


Se mentiras têm perna curta, estórias podem ter uma perna só. Principalmente se são escritas com “e”, com suas traquinagens e invenções. No dicionário Michaelis, a explicação para a palavra é adequadamente popular: “Estória: narrativa de lendas, contos tradicionais de ficção; ‘causo’; ‘Ouviram atentos aquelas estórias de mentira, da mula sem cabeça, do saci, do curupira. Mais tarde tiveram que mergulhar fundo nas histórias de verdade, para saber como foi construído o Brasil’ (Francisco Marins)”.

Tanto “estórias de mentira” quanto “histórias de verdade” encontram-se dissolvidas no livro “Estórias de Uma Perna Só” (R9 Artes Gráficas, 1º edição, 2010) de Ditão Virgílio. A obra retrata de maneira única, um Brasil extenso e antigo, que luta para preservar muitos de seus costumes interioranos, os quais, gradativamente, vêm sendo contaminados pelos grandes centros urbanos e por tecnologias. Mesmo com o exagero de Jô Amado ao dizer no prefácio do livro que este “discute toda a cultura de um povo” (pelo fato da palavra “toda” ser muito abrangente quando se trata da riqueza da cultura popular brasileira em seus cinco séculos de desenvolvimento), é fato que uma boa dose da base dessa cultura está contida nas 158 páginas da obra.

Lançado durante a oitava edição da já tradicional Festa do Saci na cidade paulista de
São Luiz do Paraitinga, “Estórias de Uma Perna Só” traz vinte capítulos escritos em versos que retratam a simplicidade do falar caipira e o modo de viver no campo, tendo sempre o saci- um dos mais fortes personagens mitológicos brasileiros, com data comemorativa em 31 de outubro- como protagonista das histórias. Originalmente lançados em forma de cordéis, os versos de Ditão tornam-se ainda mais mágicos com as ilustrações de Geraldo Tartaruga no início de cada capítulo.

O saci e o caipira encontram-se logo no primeiro verso do primeiro capítulo e o encontro, só podia ser fruto de molecagem do saci:
O caipira acordô di noite
C’os cachorro latino
Um sobio ardido
Ele tava ovino
O tropé dum cavalo
O saci tava vino
Pegá fumo no fogão
Aonde ele fica bulino

Mas como é sabido, existe amizade entre o saci e o caipira, que compartilham a realidade do ambiente rural, por mais que o último, muitas vezes, tente pegar aquele por meio de armadilhas. Porém, o saci alerta:
Se quisé me caçá
É só usa a penera
Mai tome muito cuidado
Num cometa essa bestera
Purque se eu iscapá
Eu tento a vida intera



A opção de um “falar caipira” nos versos é justificada na orelha do livro como uma maneira de “facilitar a compreensão e transmissão oral desse saber”. Reforça-se a ideia com um brevíssimo comentário sobre o surgimento desse falar, originário da união entre o português e o “nheengatu”, uma mistura de português e espanhol falado pelos indígenas no início da colonização do continente.

Assim, no ritmo sossegado do linguajar caipira (“nheengatu” significa “língua fácil”), as páginas também falam de outros encontros com personagens em sua maioria folclóricos, como “O Saci e a Iara”, “O Saci e a Caipora”, “O Desafio do Saci e a Mula Sem Cabeça”, “O Saci e o Lobisomem”, sem se esquecer do curupira e do boitatá em seus versos. É um resgate intenso do que há de mais conhecido no folclore brasileiro, através de anedotas repletas de informações tradicionalistas sobre tais personagens.
Im seguida eu notei
I bem longe avistei
Vino da banda di lá
Uma luiz iguar lamparina
Bem no morro lá im cima
Era o tar di Boitatá


Abordar um Brasil interiorano é também abordar a sua fauna e flora e citar representantes como a onça pintada, o bem-te-vi, a cotia, a sucupira e a embaúba. Ao mesmo tempo em que Ditão descreve a beleza e a riqueza das matas brasileiras, ele também fala de seus problemas recorrentes, como as queimadas. Impossível não se emocionar com o modo como ele descreve o alastramento do fogo e o consequente desespero dos animais e (por que não) das plantas.
Di repenti o pica-pau
Grita pra alertá (...)
Pusero fogo no mato
Temo que i apagá
(...)
O inxame di abeias
C’a rainha debandô
Só se ovia o istrondo
Do bambu que istorô
A fumaça foi demai
Que inté a árve chorô


Por sorte, no mundo folclórico, os problemas se resolvem por magia, e o saci, como defensor da mata, traz a chuva que apaga o incêndio.
Fiz magia veio a chuva
I o incêndio se apagô
Um rastro di destruição
Pela froresta ficô
Tentano apagá o fogo
Minha perna se queimô


Além da natureza, quem conhece ou vive no interior do país sabe da importância das
festas populares (de cunho religioso) nessas regiões. No livro, apesar de existirem passagens que exemplificam vários tipos de cultos e tradições, o destaque fica com a Festa do Divino, muito celebrada em diversos Estados, e que ganha uma “estória” completa em um capítulo. Quanto à culinária caipira, paçoca, pamonha, arroz doce, doce de abóbora, doce de leite, canjica e afogado de carne ajudam a recender as páginas com a ajuda do fogão a lenha.
As foia é preparada
Di uma em uma é lavada
Pra fazê o copinho
Minina segura a caneca
Pamonha vira boneca
Da cintura marradinha


Ao contextualizar o mundo rural com suas crenças, hábitos e situação socioeconômica, as estórias traçam paralelos com a situação do mundo moderno, seja por meio de catástrofes naturais (como as temidas “ondas gigantes”), seja por meio da migração do homem rural para a cidade ou ainda, dos aparatos tecnológicos que inundam os campos.
O caipira ino embora
Vai cabá sua curtura
Num sô contra calipio
Mai sim a monocurtura
Num comemo celulose
Nem essa madera dura
É cum sede di dinhero
Que cometem essa locura



É deste Brasil interiorano e folclórico que vem o autor, Ditão Virgílio. Nascido em São Luiz do Paraitinga em 1949, Ditão é agricultor e “poeta caipira”, como bem define Jô Amado. Além disso, na ocasião do lançamento de “Estórias de Uma Perna Só” em 2010, o escritor mostrou-se um “especialista em sacis”, ao esmiuçar as diferenças entre os “tipos” de saci e afirmar que os vê desde a infância. No entanto, deixou claro que saci “não aparece para todo mundo”. No livro, o saci avisa:
Quano tá na luiz do dia
Tem gente que faiz gozação
Dizeno que nun existo
Que é mentira ou invenção
Mai no escuro i sozinho,
Quano faço a aparição
Grita pur tudo os santo
Chora e pede perdão


Para entrar em contato com os editores da obra, escreva para re9artesgraficas@hotmail.com .



Originalmente publicado em Panis & Circus

lunedì 29 ottobre 2012

Uma estrela caiu na minha coca-cola



Foi com um grito contido que anunciei ao mundo que uma estrela caíra no meu copo de coca-cola.

Era um final de tarde, desses de horário de verão, em que às 7h da noite, ainda é possível ver a cara do sol. Lá estava eu em um parque, sentado em um banco em pleno gramado, a contemplar um lago verde-musgo a minha frente. O copo de coca-cola gelava os meus dedos (que deliciosa sensação!) e no meio de um suspiro, ao me lembrar que uma segunda-feira me esperava em poucas horas, olhei para o céu, que ainda estava claro, e lá no alto, vi uma pequena estrela, a única a brilhar sobre o parque naquele instante. Voltei meu olhar para o lago verde-musgo e de repente, ploft!: algo caiu no meu copo de coca-cola. Por sorte, ele não estava completamente cheio, e por isto, as gotas que pularam, não me molharam. Para a minha surpresa, encontrei na minha bebida não um besouro, nem uma mosca ou pernilongo, mas sim, uma estrela.

Foi neste momento que o meu grito forte e mudo explodiu dentro de mim e seus estilhaços se espalharam pelo parque, sem que nenhum dos presentes desse atenção a mim e ao fato. Olhei para o céu e vi que faltava a estrela que havia visto há poucos segundos. Ela desgrudara-se do céu e caíra no meu copo. Mas como? Sempre pensei que estrelas fossem esferas de gás, cuja luz viaja milhões de quilômetros para chegar à Terra. Além disto, se as vemos pequeninas, é porque na realidade, são gigantescas bolas de calor e luz que se encontram muito distantes de nós. No entanto, o que vi em meu copo foi uma minúscula estrela de cinco pontas, tão pontiaguda quanto os espinhos de uma roseira e tão brilhante como os olhos de um esperançoso. Repousava com calma no fundo do copo, como se ali pertencesse, e da mesma forma que as estrelas-do-mar, balançava-se suavemente com as ondas criadas por mim ao sacudir o copo.

Como perdi a vontade de beber a minha coca-cola, fui para a casa, a fim de avaliar melhor a estrela em meu copo- que por sinal, estava pesadíssimo. A noite chegou e com ela, as demais estrelas. Entretanto, o lugar onde eu vira a estrelinha ainda no céu azul, estava vazio e silencioso: uma estrela calara-se ali. Sei que as estrelas morrem, mas daí, a tentar suicídio em meu copo de coca-cola, é uma ousadia um tanto quanto bizarra! Quando cheguei em casa, ela se mantinha quieta no fundo do copo, sem me parecer morta.

Com uma pinça, pesquei a estrelinha do fundo de meu copo e para aumentar a minha surpresa, vi que ela era transparente como um cristal. Coloquei-a na palma da mão e mais uma vez constatei que não era leve: pesava como um pedaço de ferro. Suas pontas feriram-me a mão, mas seu brilho reluzente encantou-me os olhos.

Então me lembrei do poder da coca-cola como adstringente. Na minha juventude, minha mãe sempre me dizia "cuidado, menino, com a coca-cola! ela faz mal ao estômago" e pegava minhas garrafas e latinhas de coca na geladeira para esvaziá-las em alguma pia ou privadas entupidas. Se a coca-cola chegou mesmo a desentupir a privada ou a pia, eu não sei; mas cheguei a pensar, que talvez, os componentes da coca tenham derretido a estrela, a ponto de reduzi-la ao tamanho de um grão de arroz.

O problema é que não sou cientista, mas contador e, portanto, não entendo nada de estrelas, galáxias e planetas. Também não conheço nenhum estudioso da área e caso levasse a estrela a alguma autoridade, poderiam tomar-me como lelé.

Nas semanas que se passaram desde então, conservo a estrela em um cinzeiro. Apesar de não mais fumar, o cinzeiro manteve-se na minha mesa da sala e agora, creio ter encontrado uma nova finalidade para ele. Todos os dias, quando chego do trabalho, vejo o raio de luz que sai da estrela e que se reflete no forro, sem perfurá-lo. Um pequeno ponto de luz forma-se no forro, como se ali houvesse um novo céu. É quando afrouxo o nó da gravata e corro a encher um copo com coca-cola, para em seguida, sentar-me no sofá e apreciar a estrela e o seu “céu”. Penso em infinitos e em insignificâncias. Penso no universo e no meu lar. Minha sala se enche de luz e minha vida solitária, também. Dou um gole em minha coca-cola.

Confesso que fiquei traumatizado com o tombo da estrela em meu copo de coca-cola. Imaginem se ela me cai na cabeça, o galo que formaria? E se me cai no olho, enquanto estivesse a observá-la no céu? Esmagar-me-ia a retina! Assim, com tamanho medo de que alguma outra estrela me atinja, passei a andar pelas ruas com um capacete de pedreiro e também com um guarda-chuva revestido a couro. Obviamente, chamo a atenção das pessoas com o meu novo look e no trabalho, já me apelidaram de "prevenção", ainda que não saibam do quê me previno. Eu não ligo; afinal, nunca se sabe quando uma estrela pode cair.

Minha consciência segue tranquila, pois aquele dia, avisei a todos com meu grito lá no parque do que acontecera. Mas as pessoas não me deram atenção: elas nunca ligam para coisas importantes, ainda que sejam anunciadas a gritos mudos. Uma estrela caiu no meu copo de coca-cola e o quê importa? Se nem todos observam as estrelas, como poderiam sentir a falta de uma? Aposto que se uma coca-cola atingisse uma estrela, todos falariam. “O poder da coca (não necessariamente o de desentupir privadas e afins) conquistou as estrelas”, diriam. Mas uma coca-cola ser conquistada por uma estrela? Nunca! Dessa forma, continuo a me prevenir. Até porque, por que se importariam se uma nova estrela caísse sobre mim?

giovedì 13 settembre 2012

Os 70 anos do intenso Zorba

Anthony Quinn e Alan Bates interpretam Zorba e o escritor no filme homônimo de Michael Cacoyannis, de 1964



Quando o cardápio é a literatura, é fato que existem livros para serem degustados e outros para serem devorados. No caso de “Zorba, o Grego”, uma degustação para os que têm um paladar delicado cairia muito bem, já que a obra é repleta de pequenas grandes frases. Por outro lado, o livro é um prato-cheio para os que têm uma imensa fome por páginas intensas, onde o sabor varia de doce a ácido com rapidez. Um bom vinho acompanha bem a ambas as leituras, pois assim, pode-se sentir com maior prazer o gosto encantador da Grécia.

Lançado em 1942, esta é a obra mais conhecida do escritor grego Nikos Kazantzakis (1885-1957). É com o fervor de quem lutava pela vida após descobrir-se com leucemia que Kazantzakis escreve. Assim, fala sobre a sua Creta, sobre guerras em seu país, sobre lugares distantes, sobre pessoas e suas vidas. Segundo o posfácio de uma edição de 1973, pela Editora Círculo do Livro (ao longo dos anos, “Zorba, o Grego” foi editado várias vezes no Brasil), talvez, esta seja uma das épocas mais produtivas do autor: como se “a pressa o impelisse a escrever mais e mais”.

Mas nem as guerras, nem os lugares, nem todas as pessoas são o tema central da história, que aborda algo muito mais belo e humano: a amizade. É a amizade entre Zorba, um sessentão rústico em educação (escolar), mas com uma sensibilidade incrível pela vida e um jovem escritor, com uma grande sensibilidade pelas letras, mas rústico pela vida que move a história desses dois homens, desses dois mundos. A dualidade transpassa ao leitor (que deve se sentir mais na pele do escritor do que na de Zorba) um sentido cru da vida. É a inteligência, o bom humor, a habilidade para produzir e sair de problemas (“a vida é encrenca, só a morte é sossego”), além das tristezas do grego Zorba que conduzem o leitor ao estado bruto de uma massa aparentemente sem sentido, que como uma pedra, só deixa a sua condição vazia de pedra ao ser observada com cuidado e ter uma utilidade.

Para se compreender o estado de hilaridade e de multiplicidade facetada do personagem, é melhor deixá-lo se apresentar sozinho: “Alexis Zorba. Me chamam ‘Pá de Forno’, de brincadeira, porque sou magro e de cabeça comprida. Mas podem falar! Me chamam ainda de ‘Passatempo’, pois durante algum tempo vendi caroços de abóbora torrados. E também de Míldio, por toda parte onde estive, pois parece que faço muitos estragos. Tenho ainda outros apelidos, mas isso fica para outra vez...”.

Esta personalidade divertida do personagem foi inspirada a partir de um outro Zorba, tão real e inesquecível para Kazantzakis: Georges Zorba. Conta-se que Kazantzakis conheceu Georges Zorba por acaso, em 1917, e que um dia, tentou explorar com este, uma mina de linhita: eis a base do enredo da obra, que faz do personagem-escritor um patrão (não no sentido estrito da palavra) do personagem-Zorba. O detalhe é que tanto no livro, quanto na realidade, a exploração da mina foi um completo desastre do ponto de vista econômico, porém riquíssima em termos de experiência de vida para os dois “escritores”.

Ao retratar um pouco da vida do povo de Creta nas primeiras décadas do século XX, Kazantzakis põe em evidência alguns dos fantasmas de outros séculos (trazidos principalmente devido a guerras) que assombraram muitos de seus moradores. A população, fechada em seus costumes e tradições, é representada por personagens como Mavrandoni, tio Anagnosti, além da cobiçada viúva: nenhum deles, em momento algum, abre mão de seus princípios, sejam estes a recepção de visitantes, a busca (ainda que violenta) por justiça ou o distanciamento do que é repugnante. O contraste com o modo de vida tradicional cretense fica por conta da francesa Madame Hortense, também intensa e apaixonada pela vida, e que na juventude, percorreu meio mundo através dos bordéis em que trabalhava, antes de passar a velhice em Creta e tornar-se dona de um hotel (e interessar-se por Zorba, que não sabia dizer “não” a ninguém da “espécie fêmea”).

A atmosfera da história é completada com o santuri, um instrumento de cordas, que nas palavras de Zorba, possui alma própria. Sua música ecoa pelo mar e pelas colinas, até chegar aos ouvidos do leitor, que neste momento, já está totalmente absorvido pela vida na ilha e digere com afinco seus frutos (independente se é do tipo “degustador” ou “devorador”). Na confusão de sons, o aventureiro Zorba (que por ser uma figueira, não consegue dar cerejas) diz: “Ou a Terra tem que diminuir, ou eu tenho que aumentar”.

As páginas passam, as estações mudam, o escritor aprende a dançar com Zorba, estes se separam, os anos correm e Zorba, um dia, morre. Seu animal selvagem (ou o seu santuri) é deixado de herança ao escritor, que relata em um papel as conversas, os gestos, os risos, as lágrimas e as danças de Alexis Zorba (ou se deve dizer aqui Georges Zorba?). “[Deus] deve olhar para mim das alturas e se torcer de rir”, comenta Zorba (e já pouco importa qual deles) sobre a sua vida.




martedì 28 agosto 2012

As coisas que fazemos no computador


Provavelmente, os primeiros a usarem o telefone gritavam nele como se ele fosse um autofalante (alguns dos meus conhecidos ainda o fazem). Até que seus usuários entenderam que o novo meio impunha novas regras: não se podia telefonar às quatro da manhã e, além disto, não se devia nunca, em nenhum caso, ligar para alguém e dizer: "Quem?".
O correio eletrônico atravessou a mesma fase pioneira, mas talvez ainda precise de regras. Eis, então, algumas delas, fruto de um certo uso (e alguns abusos):

-Não é necessário enviar a mensagem em cinco cópias. Uma basta.
-Não é preciso telefonar para saber se a mensagem chegou.
-Evite mensagens longas. Três parágrafos é o máximo admitido (se é uma declaração de amor, dois bastam).
-Evite mensagens cerimoniosas por demais. "Prezado Prof. Me.", "Exmo Sr. Dr." já fazem rir em uma carta. No correio eletrônico, tornam-se grotescos.
-Evite mensagens muito informais. Se for escrever ao Umberto Eco, não comece com "E aí, Betão!".
-Responder é cortês, mas não é obrigatório.
-Acima de tudo, evite mandar desenhos, músicas, foto do gato, a menos que tenha intimidade com o destinatário (ou não queira puni-lo).
-Não se preocupe demais com a sintaxe ou com a ortografia. Mas um pouco, sim. Releia a mensagem ao menos uma vez. Evite escrever: "Querido Teresa, você devesa ber qeu chegei tarde ontem a noite e não foi posivel te ligr. Naõ some. Tchau, Monica". Em uma mensagem, um erro, fruto da pressa, é perdoável, mas quinze, jamais!
-Escreva somente se tiver algo para dizer!



Adaptado do "Manuale Dell'Uomo Domestico" de Beppe Severgnini- citado em "Nuovo
Progetto Italiano"

Traduzido e adaptado por Bruna G.

mercoledì 15 agosto 2012

O jeito burro de ser besouro


Não sei por que, mas aonde vou, encontro aquelas criaturinhas negras e de patas pegajosas, os besouros. Apesar de gostar de observá-los, confesso que há algo neles que me incomoda: como são idiotas! É óbvio que se fossem mais inteligentes, talvez não fossem besouros, mas quem sabe, cachorros, cavalos ou até burros. Eis aí outra coisa que me incomoda: se alguém tem pouca inteligência, é burro. Se faz algo estúpido, é burro. Se não entende a piada, é burro com certeza. No entanto, se o besouro é muito mais burro que o burro, por que não chamar os seres burros de besouros? Por que não dizer “como é besouro!”, ao invés de “como é burro!”?

É certo que o burro carrega cargas muito maiores do que pode suportar e nunca reclama de nada. Mas, quem é que quando cai fica com as perninhas para cima a se chacoalhar infinitamente? Quem é que segue em linha reta, somente pelo fato de ir, sem nem saber para onde vai? Quem é que se agarra ao primeiro objeto a sua frente, seja ele uma folha ou um palito de fósforos, sem imaginar para onde será levado?

Não que eu seja uma defensora dos burros (não faço parte de ONG alguma), mas o comportamento dos besouros é algo deplorável! Quantas vezes tentei salvá-los de um perigo, quando um de seus representantes caminhava a passinhos rápidos e sem rumo no meio da sala de estar? E o que eles fizeram (coloco no plural, pois todos têm a mesma atitude)? Ignoraram o apoio que tentei lhes dar! Preferiram continuar a caminhar sem rumo e correr o risco de serem esmagados por um gigantesco sapato, quando poderiam ser levados em segurança para os gerânios na jardineira! Isto sem contar quando tentei tirá-los da situação constrangedora de permanecer com as seis patas para cima em movimento. "Como se o mundo estivesse de cabeça para baixo", eles poderiam se justificar, ao tentarem uma desculpa esfarrapada para a situação. Mas não, são muito burros, digo, besouros para isto... Preferem continuar com as perninhas para o ar enquanto tentam desvirar o corpo sozinhos, a aceitar a minha mão amiga. Como são orgulhosos os besouros!

Por tudo isso, sou a favor de substituir o termo "orelhas de burro" por "cascas de besouro". Nos meus tempos de menina, quando as escolas tinham maneiras rígidas de ensinar e, até mesmo, de educar os alunos (estou informada de que hoje as escolas ensinam e os pais educam, conforme li em alguma rede social), ai daquele que não respondesse corretamente a tabuada ou que não tivesse feito o dever de casa! Era orelha de burro na certa! O coitadinho era obrigado a usar um cone na cabeça, que representava as orelhas do burro, e assim ficava até o término da lição (por sorte, nunca passei por isto, aluna aplicada que era). Enfatizo que uma casquinha de besouro seria muito mais apropriada para a situação: ao contrário de se imaginar com rabo e com grandes orelhas a percorrer uma estradinha, o aluno indisciplinar poderia imaginar a si próprio com cascas e antenas, a tentar desvirar o próprio corpo, enquanto pedalaria uma bicicleta imaginária para cima.

Sei que posso ter sido cruel com este exemplo, mas justiça seja feita, não é mesmo? Para reforçar o quão injustiçados são os burros em nossa sociedade, cito um novo exemplo, que me veio agora à mente: há alguns dias, estava eu em meu quarto a ler um livro de contos e recordo que me divertia muito com as histórias. Era já noite e nada melhor do que ficar quentinha na cama a devorar um livro. Bem, a certa altura, quando desviei momentaneamente o meu olhar do livro, o que vejo? Um besouro a caminhar pelo forro do teto! O burrinho (me desculpem a força de expressão!) queria chegar perto da luz emitida pela lâmpada, mas para isto, teria que enfrentar a fúria de minúsculos (quase invisíveis) mosquitos que ali estavam. Sei que o nosso inteligente herói andava um longo pedaço em linha reta, até se deparar com os horríveis mosquitinhos, que mostrando suas máscaras negras, o espaventavam. Então, o besouro retornava pela mesma linha reta, até se dar conta de que chegara novamente à parede, o que significava, em seu cérebro de besouro, que deveria retornar à lâmpada.

Eu, que li muitas páginas do livro, perdi a noção do tempo de quantas vezes o besouro foi de lá para cá. Até que, cansada daquela imbecilidade, apaguei a luz e fui dormir. No dia seguinte, não havia besouro e nem mosquitinhos no forro do meu quarto e, quem sabe, o besouro tenha sido devorado pelos mosquitinhos em um ritual sangrento, sem nem ao menos ter se dado conta disto até agora.


Imagem: Judite Pimentel